quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A CULTURA ÁRABE E O SERTÃO

“Somente pode ter a capacidade de bem dizer quem é capaz de bem pensar.”¹
Por Nicolai Henrique Dianim Brion²

É difícil imaginar que os repentistas sertanejos tenham alguma ligação com a cultura sarracena. E, no entanto, têm. As raízes dos poetas-violeiros do semi-árido estão fincadas na península ibérica de doze séculos atrás, dominada pelos mouros, em especial a Espanha.

Mas como atribuir a uma comunidade que não participou efetivamente do processo de colonização do nordeste brasileiro as origens de uma das formas mais legítimas de manifestação cultural de seus artistas populares?

Tal fato pode ser explicado pelos 800 anos de domínio político sobre nossos colonizadores, isto é, os colonizadores do continente americano: espanhóis e portugueses. Um período tão significativo de ocupação gerou frutos importantes, em diversas áreas do conhecimento humano, embora os iberos tenham tentado dirimir a importância moura após sua expulsão da Europa.

Todavia, pesquisas aprofundadas sobre o tema demonstram, com o auxílio de sólidos argumentos, que não há como negar a preponderância da cultura mourisca na arte do repente. De início, apontamos o dom e o gosto pelo improviso, típicos dos beduínos. Eles versejavam sobre o concreto, o cotidiano, quer fosse o sol escaldante do deserto, o frio congelante da noite, as batalhas sangrentas travadas ou simplesmente as vértebras de seus camelos.

Em segundo lugar, os estudos das tradições artísticas sertanejas costumam fazer referência às influências do movimento trovadoresco, surgido durante o Renascimento, e não percebem, contudo, o quanto a cultura muçulmana foi determinante para o surgimento do próprio trovadorismo. Isso se torna claro quando aprendemos que os árabes, assim como os trovadores da renascença: faziam uso do canto monódico, acompanhado por instrumentos; utilizavam o recurso das rimas; exaltavam o amor cortês; e eram elevados a altos níveis sociais.

Poderíamos ainda descrever as contribuições dos sarracenos para o enriquecimento dos instrumentos musicais europeus, mais uma prova da influência daquele povo, que pode ser hoje sentida pelo repentista nordestino, mesmo que não tenha plena consciência disso.

A verdade é que temos uma ampla dívida para com a comunidade árabe, em muitos segmentos, não apenas no que diz respeito à cultura. Por ora, quando ouvir a beleza da poesia dos trovadores e repentistas, seja nas ruas e praças, seja em festivais regionais ou internacionais, lembre-se de agradecer também ao oriente.

شكرا (Shucran)


1. Luis Soler, autor de “Origens árabes no folclore do sertão brasileiro”, livro no qual o presente texto se baseia.

2. Nicolai Henrique Dianim Brion é especialista em linguística e professor de língua inglesa do IFCE, campus de Quixadá.