sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Breve trajetória da política federal de preservação do patrimônio cultural no Brasil

Por Aterlane Martins
Historiador, especialista em Patrimônio Cultural pelo Programa de Especialização em Patrimônio – PEP Iphan/Unesco. É professor do curso Técnico em Guia de Turismo, IFCE-Quixadá, atuando nas disciplinas de Patrimônio e Cidadania, História da Arte e Manifestações da Cultura Popular.

Quando no final dos anos 1930 Mário de Andrade redigiu, a pedido de Rodrigo Melo Franco de Andrade, o Anteprojeto para o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, a noção de patrimônio ali esboçada apresentava-se já bastante abrangente, pois continha em seu texto desde os bens edificados até as manifestações da “cultura do povo”. Contudo, sabe-se que naquele momento, por diversas contingências, optou-se por uma ação preservacionista que primou pelo dito patrimônio de “pedra e cal”, restringindo-se a proteção legal através do instrumento jurídico do Tombamento, instituído pelo Decreto-lei 25/37.
Posteriormente nos anos 1960, em consonância com as idéias difundidas pela Unesco em âmbito internacional, surge o Centro Nacional de Referências Culturais – CNRC, desenvolvendo trabalhos que buscavam o (re)conhecimento das manifestações culturais representativas da tradição popular. Alçado por um grupo de intelectuais liderados por Aloísio Magalhães, que posteriormente viria a substituir Rodrigo de Melo Franco de Andrade na presidência do Iphan (1979-1982), verificou-se, naquele momento, um avanço significativo através das ações de identificação, registro e promoção do patrimônio cultural brasileiro através dos inventários e projetos realizados. Porém, persistia a barreira legal em face da aplicação restrita do Tombamento, de uso inadequado aos bens culturais “não consagrados”; hoje, ditos imateriais.
Apenas na década de 1980, com a retomada da democracia e promulgação da nova Carta Magna do país é que se tem o reconhecimento legal do patrimônio cultural em sua amplitude. O texto constitucional, no artigo 216, assim define: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Levaria ainda uma década para que efetivamente a política federal de preservação do patrimônio cultural brasileiro viesse a instituir, a partir do Decreto 3551/2000, o estatuto jurídico do Registro aplicado aos bens culturais de natureza imaterial, assim definidos pela Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial: “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”. (Unesco, 1997)
Atualmente a compreensão integral do patrimônio cultural parece ter alcançado os estatutos legais de proteção, haja vista os recentes entendimentos que têm apontado para o uso conjunto do Tombamento e do Registro nas ações de preservação. Outras iniciativas vêm sendo apresentadas, exemplo mais recente é a Portaria 217/2009 do Iphan que cria a chancela da Paisagem Cultural Brasileira, estatuto a ser atribuído à “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”.
Com esta tríade de instrumentos legais, e todos os seus desdobramentos, busca-se uma proteção irrestrita do nosso patrimônio cultural, primando, sobretudo pela cooperação entre a sociedade e o Estado na gestão dos bens culturais. E de longe ouve-se ressoar as palavras de Mário de Andrade, cujos ensinamentos diziam: “A melhor guardiã do patrimônio é a comunidade”.